Processamento alimentar: Herói ou Vilão?

Nos últimos anos, cada vez mais a expressão “alimento processado” vem ganhando uma conotação pejorativa dentro da sociedade. Afinal, o processamento alimentar é capaz de causar prejuízos a saúde?

Esse fenômeno teve sua origem a partir da publicação do Guia alimentar para a população brasileira.

O guia trouxe um novo olhar para as recomendações alimentares para a população brasileira, somado a isto o guia trouxe a classificação NOVA  dos alimentos, dividindo os mesmos em 4 grupos:

  • Grupo 1: Alimentos in natura ou minimamente processados;
  • Grupo 2: Ingredientes culinários processados;
  • Grupo 3: Alimentos processados;
  • Grupo 4: Alimentos e bebidas ultraprocessados;

A classificação  NOVA  teve grande aceitação e penetração no âmbito acadêmico e social, sendo elogiada e integrada a diversos outros guias alimentares ao redor do mundo.

As diretrizes alimentares propostas pelo guia vêm sendo difundidas em diversas escalas dentro dos veículos de informação!

O problema se dá quando a informação passada pelos veículos de informação acabam por simplificar e reduzir a importância de certos termos.

Nem tudo é preto no branco!

O que é processamento alimentar?

Processamento alimentar nada mais é do que submeter o alimento a processos que o tornam um produto próprio para o consumo.

Descascar uma fruta por exemplo.”

Fato é que o processamento alimentar possui uma escala. Quanto mais alteramos as características do produto inicial, maior será o grau de processamento do produto final.

Qual a relação da nossa espécie com o processamento alimentar?

Não podemos datar com exatidão em que momento, nós do gênero Homo começamos a processar nossos alimentos, contudo sabemos que esta característica precede a nossa espécie Homo Sapiens, nossos ancestrais já processavam alimentos muito antes da nossa espécie povoar o planeta.

Isto porque o processamento alimentar ganhou um novo sentido a partir da domesticação do fogo, espécies do gênero Homo já utilizam o fogo em seu benefício há mais de 1 milhão de anos.

A domesticação do fogo, bem como suas aplicabilidades em nossa alimentação, possibilitaram a nutrição por meio de alimentos que precisam de cozimento para o consumo, é tido como um ponto de virada para o desenvolvimento de nossa espécie como conhecemos hoje!

O processamento alimentar com a utilização do fogo, é uma herança de nossos antepassados.

Nós evoluímos com o tempo, e paulatinamente desenvolvemos novos métodos e processos na cadeia do processamento alimentar.

Sendo assim processar alimentos é um comportamento de nossa espécie desde o seu nascimento, é parte ativa do nosso cotidiano.

A transição de nosso estilo de vida caçador-coletor para o estilo de vida “sedentárioagrícola, trouxe novas camadas para o processamento dos alimentos, cultivar alimentos nos permitiu criarmos estoques de alimentos, obrigatoriamente fomos forçados e desenvolver novas técnicas para aumentar a perecibilidade dos alimentos produzidos, de nada adianta um excedente de alimentos, se não podermos aproveitá-los em um momento de escassez de recursos.

Diversas foram as soluções encontradas para este problema. Mudar as características dos alimentos, isto é transformar o alimento em outro produto, nos conferiu diversas vantagens, sendo a maior delas, aproveitar o máximo dos recursos disponíveis:

Secagem, fermentação, desidratação, eram processos utilizados para aumentar a vida útil dos alimentos!

Os alimentos sempre foram e continuam sendo até os dias atuais, um grande centro econômico dentro das sociedades.

Isso porque se alimentar não é uma escolha, mas sim uma demanda fisiológica.

Revolução industrial e o processamento alimentar.

A revolução industrial marca o fenômeno de marcha da população agrícola para o meio urbano.

O aumento na densidade populacional das cidades, criou diversos problemas logísticos acerca do acesso aos alimentos pela população.

Uma vez que os alimentos produzidos no campo, estragavam antes mesmo de chegar nos grandes centros, fazendo com que a população tivesse dificuldade em encontrar alimentos seguros para o seu consumo.

Ao redor dos problemas logísticos, as empresas alimentícias surgiram com o objetivo de suprir a nova demanda criada pela revolução industrial.

Partindo deste ponto, diversos foram os produtos, desenvolvimentos e soluções encontradas pela indústria a fim de suprir a demanda por alimentos da população.

Ano após ano, década após década a indústria de alimentos continuou seu processo de desenvolvimento e aprimoramento, refinando tecnologias, ganhando capacidade produtiva e escala de escoamento de produtos.

Se desenvolvendo até o ponto de criar produtos, tão distintos de suas matérias primas iniciais que foram identificados como um novo grupo de alimentos denominados como ultraprocessados.

Processo de regulamentação da indústria alimentícia.

No século XX teve início o processo de regulamentação dos critérios a serem seguidos pela a indústria alimentícia a fim de fornecer produtos seguros para o consumo da população.

Organizações como a FAO Food and Agriculture Organization (Organização para alimentação e agricultura), OMS (Organização mundial da saúde) e OMC (Organização mundial do comércio), somaram esforços para criar tratativas com o objetivo de unificar processos e protocolos a serem seguidos pela indústria alimentícia acerca da padronização de medidas e práticas voltadas para a segurança dos alimentos facilitando o comércio de produtos alimentícios em todo o mundo.

Surgindo o Codex Alimentarius (Código alimentar).

Normativas como o SPS agreement (Acordo de medidas sanitárias e fitossanitárias).

CIPV (Convenção Internacional de Proteção Fitossanitária).

TBT (Acordo sobre barreiras técnicas do comércio).

FAO,OMS,OMC e os governos locais, somam esforços para garantir a segurança dos alimentos entregues pela indústria à população.

O papel atual da indústria dos alimentos.

Em 2024, 8 bilhões de pessoas coexistem simultaneamente em nosso planeta. Alimentar diariamente esse volume de pessoas é um desafio constante. A indústria é a garantidora da segurança alimentar da população e da segurança dos alimentos nos dias de hoje.

O que é segurança alimentar?

A segurança alimentar se refere à disponibilidade de alimentos para a população. Sendo assim, para que exista a segurança alimentar deve se ter uma produção de alimentos suficiente para atender a demanda energética da população, bem como a população deve ter capacidade de acesso a estes alimentos.

O que é segurança do alimento?

Segurança do alimento se refere a inocuidade do mesmo.

Isto é, um alimento seguro é aquele que não representa riscos a saúde do indivíduo no momento do seu consumo.

Para garantir a inocuidade dos alimentos a FAO, OMS, OMC e os governos locais, desenvolvem e regulam as normativas que devem ser seguidas pela indústria.

Essas normativas começam no preparo da terra, nos defensivos agrícolas que serão utilizados, no manejo das culturas, colheita, estocagem, distribuição.

O mesmo serve para os animais, o tipo da ração a ser oferecida para o animal, o protocolo vacinal, os critérios a serem atendidos pelos frigoríficos, o modo que o produto deve ser condicionado, etc.

Dados sobre a produção mundial de alimentos em 2023.

Produção de culturas primárias:

  • Cereais: 3.07 bilhões de toneladas;
  • Culturas de açúcar: 2.13 bilhões de toneladas;
  • Vegetais: 1.15 bilhões de toneladas;
  • Culturas oleaginosas: 1.15 bilhões de toneladas;
  • Frutas: 0.91 bilhão de toneladas.

Toneladas de carnes:

  • Carne de frango: 121.59 milhões de toneladas;
  • Carne de porco: 120.37 milhões de toneladas;
  • Carne bovina: 72.45 milhões de toneladas.

Leite bovino e ovos de galinha:

  • Leite: 884 milhões de toneladas;
  • Ovos: 86 milhões de toneladas.

FAO. 2023. Alimentação e Agricultura Mundial – Anuário Estatístico 2023 . Roma. https://doi.org/10.4060/cc8166en

A indústria de alimentos não se refere apenas ao produto final encontrado nos supermercados, mas sim a toda cadeia produtiva do alimento até se tornar um produto disponível para o consumo da população.

Alimentos processados trazem riscos à saúde?

Vimos que o processamento alimentar é algo comum desde o surgimento de nossa espécie.

Contudo, o processamento alimentar pode trazer prejuízos à nossa saúde?

Para responder tal pergunta precisamos separar o processamento caseiro/artesanal do industrial.

Processamento caseiro/artesanal.

Todos os dias nós processamos alimentos ou ingerimos alimentos processados por terceiros.

  • Comida de um restaurante;
  • Um salgado de uma lanchonete;
  • O pão da padaria;
  • Os pratos que preparamos em nossas casas.

Para confecção de tais produtos, nós utilizamos ingredientes processados:

  • Ovo;
  • Leite;
  • Farinhas;
  • Óleos;
  • Arroz;
  • Feijão;
  • Carnes.

Contudo, os produtos resultantes da mistura dos ingredientes não seguem as diretrizes criadas pelos órgãos vinculados à indústria de alimentos, muito menos tem o ambiente controlado que a indústria possui.

Fazendo com que a chance de contrair um DTAs (doença transmitida por alimentos) seja maior do que quando comparado a produtos industrializados.

Isso acontece justamente pela imprevisibilidade do processo aplicado, da falta de controle para com a perecibilidade destes alimentos.

Processamento industrial.

O processamento industrial é obrigado a seguir as diretrizes e normativas impostas pelos órgãos reguladores!

Sendo submetidos a fiscalizações frequentes, prestando conta dos seus produtos, processos e resultado final.

Cada tipo de produto tem sua própria normativa, questões como acondicionamento do produto, prazo de validade, validade após o produto ser aberto, etc.

Alimentos processados e alimentação saudável.

O processamento alimentar é algo inerente à nossa alimentação.

A correlação entre processamento alimentar e desenvolvimento de DCNTs (doenças não transmissíveis).

  • Obesidade;
  • Diabetes;
  • Hipertensão;
  • Doenças do coração.

Estão vinculados a má alimentação, não a ingestão de um alimento específico!

Diversos são os alimentos industrializados que contém uma alta densidade energética, contudo o consumo destes alimentos não é capaz de ocasionar isoladamente uma DCNT em um indivíduo!

As DCNTs vinculadas a alimentação, possuem uma ligação direta com o acesso à calorias, contudo o que resulta no aumento da incidência destas DCNTs e o contexto alimentar do indivíduo.

  • O desbalanço entre a quantidade de calorias necessárias x a quantidade de calorias ingeridas;
  • A disposição dos macronutrientes ingeridos;
  • A inatividade física ou sedentarismo.

Quem garante a segurança alimentar e a inocuidade do mesmo é a indústria alimentícia.

Quem faz a escolha do que consumir, quando e como consumir é você!

O conhecimento liberta e protege.

Cuide-se!

Referências:

http://www.fao.org/

https://www.ippc.int/en/

Pothisiri P, Kongchuntuk H. Codex Alimentarius. Nutr Rev. 1996 Nov;54(11 Pt 2):S149-51. doi: 10.1111/j.1753-4887.1996.tb03836.x. PMID: 9110593.

Lee JG, Lee Y, Kim CS, Han SB. Codex Alimentarius commission on ensuring food safety and promoting fair trade: harmonization of standards between Korea and codex. Food Sci Biotechnol. 2021 Aug 31;30(9):1151-1170. doi: 10.1007/s10068-021-00943-7. PMID: 34483698; PMCID: PMC8407856.

Randell AW, Whitehead AJ. Codex Alimentarius: food quality and safety standards for international trade. Rev Sci Tech. 1997 Aug;16(2):313-21. doi: 10.20506/rst.16.2.1019. PMID: 9501343.

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